É preciso que uma imagem se transforme no contato com outras imagens, como uma cor no contato com outras cores. Um azul não é o mesmo azul ao lado de um verde, de um amarelo, de um azul. Não há arte sem transformação. (Robert Bresson em "Notas sobre o cinematógrafo")
Ao entrar na exposição SLOW CINEMA, o espectador se encontrará em outra atmosfera, vindo das ruas agitadas do centro - onde os ruídos sonoros, os movimentos dos pedestres, os carros e toda agitação e pulsação da cidade restará lá fora. Aqui tudo se aquietará. O encontro com este cinema se fará através de uma outra postura corporal, em um outro ambiente, pensado como tal, para que este espectador possa se permitir sentir, antes mesmo de compreender esses filmes.
A proposta de Tsai Ming-Liang, no filme Jornada ao Oeste (Xi you), é trazer através de sua rigorosa escolha de planos, poucas sequências e metáforas livres, a fisicalidade de um monge, representado pelo seu ator preferido Lee Kang-sheng, em vestes de um vermelho intenso que se movimenta lentamente e precisamente pelas ruas agitadas de Marselha. Em várias situações, o monge, em sua performance, cria ideias antagônicas, nos levando a não pensar imediatamente nos sentidos mas a deixá-los surgir e assim fruí-los aos poucos, em slow-motion como o real movimento do seu personagem. Há ainda o ator francês emblemático, Denis Lavant, que surge logo no início em primeiríssimo plano, com sua face e respiração (um coração que pulsa) em contraponto à paisagem tão azul e branca. Lavant seria, apesar de também estar em processo de reflexão com o monge, o lado oeste dessa viagem que para Tsai Ming-Liang é um grande projeto com mais outros cinco filmes chamados por ele de "Walker Series".
O filme Distante (Yuan Fang) do diretor chinês Zhengfan Yang e Via Lactéa (Tejút) do húngaro Benedek Flieugauf completam a exposição com a precisão errática de seus olhares. Com propostas semelhantes, observar à distância a paisagem e pequenos acontecimentos casuais, conseguem cada um a sua maneira, gerar sentidos diferentes. Enquanto Yang é mais literalmente distante (o que nos exige um tremendo "esforço do olhar") e irônico ao unir pequenos elementos entre as histórias, Flieugauf é bem mais soturno, dramático, trazendo elementos fantásticos, quase imperceptíveis aos desatentos.
Slow Cinema pode ser um conceito ou uma ideia para agrupar filmes que utilizam de planos longuíssimos, às vezes estáticos ou erráticos (algo "por acaso" acontece no quadro), poucos cortes, observação distanciada, nenhum ou poucos diálogos, sons ambientes com alguma ou nenhuma música, com personagens ou não, atores profissionais ou não, em escolhas estéticas concisas. Não é um gênero cinematográfico mas aqui se constitui em uma das razões para exibi-los em espaço de galeria. Exigem tempo, atenção e dedicação por parte do espectador, que deseja alcançar através deles, uma resignificação de linguagem, não mais pautada na narrativa clássica. Uma possível busca da sensação de quase meditação. No espaço de exposição, este cinema pode existir em toda sua longevidade, ao permitir mais liberdade ao espectador ir e vir, mais de uma vez, quando desejar. O cinema contemporâneo independente é um cinema aberto que busca originalidade nas representações, questionando formas préestabelecidas dentro de sua própria linguagem, reinventando processos e está mais próximo às artes visuais do que nunca.
Francesca Azzi
Curadora
Tsai Ming-Liang nasceu em Kuching, na Malásia, em 1957. Mudou para Taiwan, aos 20 anos, para estudar Cinema e Teatro na Chinese Culture University – uma transição que marcou o diretor, que diz não pertencer ou se sentir em casa em nenhum dos dois países. Ming-Liang começou sua carreira como diretor e produtor na TV Taiwanesa, e ganhou destaque na cena cinematográfica ao vencer o Leão de Ouro no Mostra de Veneza, em 1994, com o filme Vive l'Amour. Em 1997, O Rio ganhou o Urso de Prata do Festival de Berlim. Em 2013, Cães errantes recebeu o Prêmio Especial do Júri na Mostra de Veneza. Tsai Ming-Liang é considerado um dos diretores mais importantes em atividade no cinema mundial.
Enquanto um homem exausto respira agitado à beira-mar, outro, um monge budista trajando vestes vermelhas, caminha a um ritmo imperceptível pelas ruas de Marselha Marseille, na França. O caminhar lento do monge chama a atenção dos pedestres das ruas movimentadas, e a câmera descobre pequenos e belos fragmentos da influência que esse caminhante tem nos habitantes da cidade, até o momento em que o monge ganha, enfim, um discípulo.
Um filme em 13 partes, cada uma composta por um único plano. Em cada segmento, um pequeno relato, observado de uma certa distância, traz momentos sutis e cotidianos quando as pessoas são subitamente confrontadas com a modernidade. Na escuridão, um farol pisca no mar. No ponto de ônibus, a espera. Em um parque, um telefone toca sem parar, uma desilusão? Uma menina acha que a piscina é o lugar ideal para seu peixe. Um homem brinca com o cachorro na beira da praia. Um velho homem cai, alguém ajuda? Treze cenas dramáticas, realistas e misteriosas mostradas sem qualquer diálogo, simplesmente trabalhando com imagem, som e as ações dos personagens. Uma tentativa de descrever a condição humana dos dias atuais, a sua alienação, abandono e solidão.
Doze cenas em sequência filmadas em lugares diferentes - uma pradaria à noite, à beira de uma estrada, um pátio fechado por edifícios, um banheiro público - habitados por seres humanos que agem de forma bizarra. Estas imagens, formando uma “pintura viva”, mostram as sublimes arquiteturas da natureza e da cidade. Junto com a música, os sons - respirações, água, motores, cantos de pássaros - e a fotografia, as imagens criam uma experiência sensorial que transcende o uso das palavras.
Projeto executado por meio da Lei Estadual
de Incentivo à Cultura de Minas Gerais
CA 0084/001/2013