A EXPOSIÇÃO

Joe Weerasethakul, um estar entre as fronteiras da linguagem

A exposição Fluxus: Apichatpong Weerasethakul está centrada na exibição de Hotel Mekong (2012), último trabalho do artista. O filme, para o qual uma sala de cinema não-convencional foi criada, traz personagens entre o real e o fantasmagórico, nos quartos de um hotel vazio a beira do Rio Mekong. Nele, está o próprio diretor, que investe nos relatos orais de personagens locais, compondo uma música com Chai Bhatana, em uma espécie de ensaio metalinguístico, que segue o curso do filme-rio.

A proposta curatorial da exposição é apresentar simultaneamente à Hotel Mekong, sete filmes curtos do artista, dispostos cenograficamente, em telas grandes distribuídas no mesmo espaço. São eles: Cactus River (2012), Ashes (2012), Uma Carta para o Tio Boonmee (2009), Vampiro (2008), Pessoas Luminosas (2007), Esmeralda (2007), O Hino (2006). Vistos em conjunto assim, esta matéria fílmica parece iluminar ainda mais sua beleza e conceitos. São filmes que dialogam intensamente com sua obra e especialmente com Hotel Mekong.

Apichatpong Weerasethakul recria fronteiras entre a ficção e o documentário, o realismo e alegoria, a memória e o presente... Com a intenção de que o visitante possa, ao assistir a cada um dos oito filmes, montar mentalmente significados e se entregar à proposição: ouvir, ver, refletir e, fundamentalmente, aceitar a obra de arte como objeto de observação dado a si, sem precedentes.

A obra fílmica de Apichatpong Weerasethakul está basicamente centrada nas questões que envolvem a força da natureza como soberana ao homem (o rio, a densa floresta, os animais, o seres vivos ou mortos), que vem da forte tradição budista de seu país; e as forças sobrenaturais dos fantasmas (o animismo, o homem incorporado, mediúnico, meio-homem, meio animal).

Ao longo de seu processo, o artista investiga a forte cultura oral tailandesa e expõe relatos desta cultura, através do seu "fazer falar" seus personagens. Personagens que são representados, muitas vezes, por atores não-profissionais. Ou que atuam em seus filmes desde o início de sua carreira, como a atriz Jenjira Pongpas, que está em seu primeiro (Blissfully Yours - 2002) e no último longa, Hotel Mekong, e curta Cactus River em 2012. Perscruta, ainda, temas tabus como a afetividade homossexual; a reencarnação de vidas passadas como elemento para dúvida e comprovação religiosa e a presença, quase desconhecida para nós, do militarismo no norte da Tailândia, na fronteira do Laos.

Apichatpong Weerasethakul sobrepõe, ainda, camadas de linguagem no campo da enunciação cinematográfica - como um toque de sofisticação a esta pureza metafísica. Por exemplo, ao inserir uma não linearidade sonora, em um jogo, comum em seus filmes, do "escuto o que não vejo, vejo o que não escuto". Propõe planos longuíssimos, silenciosos ou sonoros, numa espécie de jogo hipnótico da observação que gera uma sensação de sonhar acordado. Desconstrói sutilmente o tempo da estrutura narrativa lançando novos campos de significação. Assistir aos filmes requer do espectador uma atenção especialmente desviada, um "estar" atento e ao mesmo tempo, um "estar a se perder".

Francesca Azzi
Curadora

O ARTISTA

Apichatpong Weerasethakul é considerado uma das vozes mais originais do cinema atual. Nascido em Bangok, em 1970, seus seis longas, diversos curtas e instalações lhe renderam reconhecimento internacional e numerosos prêmios em festivais de todo o mundo. Com o filme Tio Boonmee, que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, Weerasethakul ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2010. Seu trabalho anterior Síndromes e um Século (2006) foi eleito, no final de 2009, por mais de 60 curadores, historiadores de cinema, arquivistas e programadores como o melhor filme da década numa votação organizada pelo TIFF (Toronto International Film Festival) Cinematheque. Tropical Malady, seu filme de 2004, recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes; e Blissfully Yours recebeu o Prêmio Un Certain Regard, em Cannes 2002. Seu último filme, Hotel Mekong, foi lançado no Festival de Cannes em 2012.

Weerasethakul começou a fazer filmes e vídeos em 1994 e completou o seu primeiro longa em 2000. Suas obras não-lineares, líricas e, muitas vezes, fascinantemente misteriosas lidam com a memória e invocam, de maneira sutil, questões sociais e de política pessoal. Trabalhando de forma autônoma, ele se dedica a promover o cinema experimental e independente por meio de sua produtora, fundada em 1999: Kick the Machine Films.

Weerasethakul tem realizado, também, desde 1998, exposições e instalações em diversos países. Suas instalações incluem o projeto em telas múltiplas, intitulado Primitive (2009). Além de fazer parte de coleções de vários museus importantes, esse projeto foi apresentado em diversos locais, tais como: a Haus der Kunst de Munique, o Musée d'Art Moderne de la Ville de Paris e o New Museum de Nova York. Em 2012, apresentou uma instalação na Documenta de Kassel. Seus projetos mais recentes incluem filmes online para o Mubi (Ashes, 2012) e para o Walker Art Center dos Estados Unidos (Wonders of the World, 2012).

FILMES

HOTEL MEKONG

Tailândia/Reino Unido | 2012 | 61 min.

No nordeste da Tailândia, às margens do rio Mekong, que marca a fronteira com o Laos, está o Hotel Mekong. Apichatpong Weerasethakul ocupa seus quartos e varandas para ensaiar Ecstasy Garden, um filme que escreveu anos atrás. Neste espaço, recria uma narrativa que embaralha diversos níveis de realidade, fato e ficção, para explorar os vínculos possíveis entre uma mãe vampira e sua filha, jovens amantes e o rio Mekong que flui como o som da música de Chai Bhatana. Filmado em meio a grandes inundações que afetaram esta região em 2011, Weerasethakul entrelaça diferentes camadas de sentido: destruição, política e sonhos à deriva do futuro.

CINZAS

Tailândia| 2012|20 min.
Cedido pelo Mubi

Cinzas contempla o amor, o prazer, e a destruição da memória. A periferia da vida quotidiana é partilhada com extremo intimismo. Para Apichatpong, a Tailândia, enquanto cheia de beleza, colapsa lentamente na escuridão.

CACTUS RIVER

Tailândia/EUA| 2012| 10 min.
Cedido pelo Walker Art Center

"Depois de ter participado de meu filme em 2009, Jenjira Pongpas trocou seu próprio nome. Como muitos tailandeses, ela estava convencida de que o novo nome lhe traria boa sorte. Jenjira tornou-se, então, Nach, que significa água. Logo em seguida, ela encontrou, na internet, um soldado aposentado chamado Frank, da cidade de Cuba, localizada no Estado do Novo México, nos Estados Unidos. Eles se casaram poucos meses depois e ela se tornou oficialmente a Sra. Nach Widner.

Os recém-casados encontraram uma casa perto do rio Mekong, onde Nach havia crescido. Ela passa a maior parte do dia fazendo sapatinhos de bebê em crochê para vender, enquanto ele se diverte trabalhando no jardim e assistindo televisão (às vezes, sem som, pois a maioria dos programas é em tailandês).

Cactus River é um diário sobre o tempo que passei visitando o casal e sobre os vários temperamentos da água e do vento. O fluxo dos dois rios – Nach e Mekong – ativa as minhas memórias sobre o lugar onde rodei vários filmes. Durante muitos anos, esta mulher, cujo nome já foi Jenjira, apresentou-me ao rio e à sua história, bem como à sua própria vida e às suas opiniões sobre o futuro iminente do Mekong. Ela tem certeza de que, em breve, não haverá água no rio devido às construções de barragens em seu curso na China e no Laos. Percebi, também, que Jenjira não existe mais." - Apichatpong Weerasethakul

UMA CARTA PARA O TIO BOONMEE

Tailândia/Reino Unido/Alemanha | 2009 | 18 min.

"Alguns anos atrás, visitei um templo próximo à minha casa e lá um monge me ofereceu um pequeno livro intitulado "O Homem Capaz de Recordar suas Vidas Passadas". No volume, o monge escreveu sobre Boonmee, que era capaz de recordar as múltiplas vidas que teve nas cidades do nordeste tailandês. Em 2008, escrevi um roteiro inspirado na reencarnação de Boonmee, e comecei a viajar pela região à procura de seus descendentes e parentes vivos. Encontrei seus dois filhos, que me falaram sobre o pai deles. Em dezembro de 2008, em Nabua, aluguei uma série de casas que julguei apropriadas para representarem a casa do Tio Boonmee no longa-metragem proposto. Este curta é uma carta pessoal descrevendo a Nabua que conheci para o tio Boonmee. O filme é composto por tomadas dos interiores das casas ao cair da noite. Todas estão desabitadas, com exceção de uma casa ocupada por um grupo de soldados, representados por alguns adolescentes de Nabua. Dois deles me interpretam ao narrarem o filme." - Apichatpong Weerasethakul

VAMPIRO

Tailândia/França | 2008 | 19 min.

Em algum ponto da fronteira entre a Tailândia e Myanmar vive, ou costumava viver, uma criatura chamada Nok Phii (em tailandês, "O Pássaro Fantasma"). Se de fato existe, com exceção do "tentilhão vampiro" das Ilhas Galápagos, Nok Phii seria a única espécie de pássaro que se alimenta do sangue de outros animais. Em algumas histórias, ele chega a atacar seres humanos. Em 2007, alguns habitantes de uma vila no norte da Tailândia afirmaram ter visto um casal de Nok Phii em uma montanha afastada. Este pássaro supostamente pequeno, de olhos grandes, nunca foi capturado, vivo ou morto. Não existem vestígios. Sem uma evidência concreta, esse pássaro raro pode ser apenas um animal imaginário associado a um perigo sedutor e a uma aura mítica.

ESMERALDA

Tailândia/Japão | 2007 | 11 min.

Em O Peregrino Kamanita, romance budista escrito em 1906, pelo dinamarquês Karl Gjellerup, os protagonistas reencarnam como duas estrelas e levam séculos contando suas histórias um ao outro, até que cessam de existir. Morakot ("Esmeralda", em tailandês) é um hotel extinto e abandonado no centro de Bangcoc, que foi inaugurado na década de 80, numa época em que a economia da Tailândia se industrializava em alta velocidade. Mais tarde, em 1997, quando irrompeu a crise financeira do Leste Asiático, a ilusão se dissipou. Assim como Kamanita, o Morakot é uma estrela carregada, ou alimentada, por recordações. Apichatpong trabalhou em colaboração com três atores que recontaram seus sonhos, as vidas em suas cidades natais, os momentos ruins e até poemas amorosos para preencher o hotel com novas recordações.

PESSOAS LUMINOSAS

Tailândia/Portugal | 2007 | 15 min.

Um grupo de pessoas num barco que viaja pelo rio Mekong, que se estende pela fronteira entre a Tailândia e o Laos. Eles estão navegando contra o vento, preparando uma despedida. No meio do rio, a matriarca da família atira as cinzas do falecido na corrente. O pó esbranquiçado se mistura às águas lodosas. O barco faz meia-volta na altura da ponte que une os dois países. Os passageiros estão cansados e começam a deslizar para seus próprios mundos interiores. O filme se desintegra. A tripulação e o resto do elenco vagueiam pelo rio da simulação. A fronteira une os mundos dos vivos e dos mortos. A lembrança de um pai anônimo falecido se prolonga. O barco continua a navegar enquanto o crepúsculo se aproxima.

O HINO

Tailândia | 2006 | 5 min.

O Hino representa uma celebração a arte de fazer filmes e da experiência de assistir a eles. Na Tailândia, antes da exibição de qualquer filme, deve haver a execução do hino real, com o objetivo de homenagear o Rei. Esse é um dos rituais arraigados da sociedade tailandesa, que serve para abençoar algo ou alguém antes de determinadas cerimônias. O Hino apresenta um "hino cinematográfico" que glorifica e abençoa a exibição do filme que está por vir. Esse processo de purificação audiovisual é conduzido por três velhas senhoras, que também canalizam energia para a plateia, de modo a clarear as mentes do público.

RIO DE JANEIRO

26/11 de 2013 a
09/02 de 2014
ter/dom, das 11h às 20h
OI FUTURO FLAMENGO
R. Dois de dezembro, 63

BELO HORIZONTE

03/07 a 01/09 de 2013
ter/sáb das 11h às 21h
domingos, das 11h às 19h
OI FUTURO - GALERIA
Av. Afonso Pena, 4001

CRÉDITOS

Idealização e Produção
Zeta Filmes

Curadoria
Francesca Azzi

Museografia
Valdy Lopes Jn.

Assistente de Museografia
Irma Zica

Produção
Daniella Azzi
Eduardo Garreto Cerqueira

Assistente de Produção
Elida Silpe

Cenotecnia
Opa! Cenografia e Montagem

Equipamento e Montagem de Áudio e Vídeo
On Projeções
Identidade Visual, Peças Gráficas, Sinalização e Website
Voltz Design

Direção de Criação e Produção Gráfica
Alessandra Maria Soares
Cláudio Santos

Website (programação)
Redemunho Web Design

Fotografia
Alexandre C. Motta

Tradução e Versão em Inglês
Alcione Silveira

Agradecimentos
Apichatpong Weerasethakul
Patrocínio
Realização
Idealização e Produção
Incentivo